Hoje em dia é fácil… ouça. Camadas e camadas de sons. Quer ouvir? Ouça! Todavia, um questionamento representa bem a inversão da cultura sobre a forma de consumir música, principalmente naqueles que nasceram antes da década de 90.
Pensa comigo: uma caixa, com bombons sortidos, deliciosos e coloridos, mas que o motivo do seu desejo é apenas um: aquele que você adora e no instante você quer só ele. Você compraria a caixa inteira de bombom ou tentaria arrumar alguma forma de ter somente aquele objeto do seu desejo?
Parece óbvia a resposta, entretanto, esta evidência só se manifesta a partir do momento que se passou a ter a opção de comprar somente o bombom desejado e não mais a caixa inteira. Justamente esta faculdade é que caracteriza a inversão de cultura sobre a forma de se consumir música no mundo.
Somente com a possibilidade do ouvinte elaborar uma relação com músicas de seu agrado que deixamos de ter que comprar o pacote completo.
Quantas vezes você já comprou um álbum inteiro de um artista por causa de uma única música de seu agrado?
De fato não faz a mínima lógica pagar o preço por um todo e querer, de fato, consumir o mínimo, mas era exatamente isto que acontecia: se comprava um álbum inteiro por conta de uma música e não víamos problema nenhum nesta prática porque simplesmente essa era a forma mais fácil de se ter as músicas que desejávamos. Os artistas, por sua vez, tinham como certo o consumo de suas músicas através das vendas dos álbuns e através da reprodução nas rádios.
Muitos podem pensar que de fato era melhor para a cultura e (mais lucrativo para) a indústria da música comprar o álbum completo porque assim o ouvinte teria de fato a noção sobre a obra inteira e não só baseada nos hits… é fato, mas, a lógica é o próprio consumidor querer consumir somente a música de seu agrado e ter por faculdade a busca por outras obras do mesmo autor, e não ser bombardeado com massas sonoras que não lhe chamam a atenção. De fato a inversão desta lógica culminou na forma que consumimos música atualmente:
A possibilidade de fazer playlists escutando diretamente o que nos interessa!
A possibilidade de gravar as músicas prediletas na fita cassete inaugurou, em tese, a possibilidade de se criar uma playlist. Bastava ficar escutando rádio por horas até o locutor anunciar a música que lhe apetecia, mas a dificuldade era patente e com o anúncio preparava-se para a maratona: achar a fita cassete. Rodar a fita até um ponto aproximado para gravação. Colocá-la no aparelho gravador. Apertar REC. Rezar para a rádio de fato tocar a música inteira. Não era fácil não! E olha que muitas vezes se gravava equivocadamente uma música sobre a outra aí era decepção digna de campeão que perde a luta aos 13 segundos do primeiro round e tudo isso para se ter uma lista com as músicas preferidas ao invés de ter de comprar o álbum completo por conta de uma música.
Evidente que a indústria da música se utilizava desta realidade e não podia ser diferente. Sim, era perceptível em inúmeros álbuns uma certa despretensão com a obra completa quando se tinha um grande hit, contudo, os artistas divulgavam suas músicas basicamente nas rádios (onde tocava o hit), nos shows (onde se tocava todos os hits e algumas outras “lado b”) e na venda dos álbuns que na maioria das vezes tinha apenas o grande hit e várias músicas “lado b”.
O ouvinte quando se deparou com a possibilidade de consumir e ter consigo apenas as músicas que realmente gostaria de ouvir – e essa possibilidade ocorreu com o advento da popularização da internet e dos seus meios quase inesgotáveis de se fazer downloads irregulares – gravadoras, editoras, artistas e músicos tiveram que se adequar a esta novidade e grande parte das esperanças para esta adaptação encontrou respaldo nos serviços de streaming de áudio e a incrível capacidade de ter sua playlist onde quer que você esteja.
O fato importante é que o brasileiro ganhou a opção de escolher as condições de sua experiência de consumo musical: analógica ou digital, física ou online, gratuita ou paga, restrita ou ilimitada, uma faixa ou o álbum inteiro. Ficou para trás a época em que o consumidor era obrigado a comprar 12 músicas, quando na verdade ele só queria escutar uma faixa do disco. E mais, hoje o consumidor sequer precisa desembolsar algum dinheiro para ter acesso à música gravada. (Leonardo Salazar – Música LTDA: o negócio da música para empreendedores. 2ª edição. SEBRAE. Pág. 244)
Mas, nem tudo é maravilha no mundo real das coisas. O ouvinte, agora pleno em sua capacidade de escolher e consumir exatamente (e apenas) a música que deseja, pode ainda encontrar dificuldade na busca das músicas do seu artista preferido no mundo gigantesco da internet e nos players de streaming e para os artistas essa dificuldade é ainda mais latente, pois, para melhor divulgar o trabalho, necessita saber em que plataforma tem suas músicas disponibilizadas para poder alcançar mais ampla e facilmente seu público e definir melhor as estratégias de marketing e distribuição.
A tecnologia transformou o som da música, seu processo de composição e a forma como a consumimos. Ela também inundou o mundo com a música, que agora está tomado por sons (em sua maior parte) gravados. Antes, era preciso pagar para se ouvir música, ou produzi-la por nós mesmos; tocar, ouvir e vivenciar a música era algo excepcional, uma experiência rara e especial. Hoje, a música se tornou muito comum, e o silêncio é a raridade pela qual pagamos para apreciar. (David Byrne – Como Funciona a Música. Editora Manole. Pág. 135)
Importante conceber valor à obra musical utilizando meios precisos em que se torna evidente a divulgação do seu trabalho de forma organizada e de fácil acesso e de preferência com um release claro e objetivo de sua carreira e centralizando todos os players onde suas músicas estão disponíveis. É isso ou deixar suas músicas no mar de playlists esquecidas.
Mas, agora ficou fácil: consumo de música é só ouvir. Ouça lá.
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