A frase dita há quase um século por Louis Brandeis, ex-juiz da Suprema Corte dos EUA, bem revela a inspiração fundamental da lei 12.853/2013, que instituiu o novo marco regulatório dos direitos autorais no Brasil: transparência. No centro do debate está o Ecad, criado pela lei 5988/73 sob a forma de “associação de associações”, de detém o monopólio da arrecadação e da distribuição dos direitos autorais de execução pública musical. 

Por Rodrigo Brandão

A criação do Ecad representou notável avanço, fruto da mobilização dos autores no sentido da centralização de um antigo modelo que, por excessivamente descentralizado, era ineficiente. Todavia, com o passar do tempo tornou-se evidente que a precária regulação estatal e a extinção do órgão público fiscalizados criaram um ambiente propicio ao surgimento de um modelo de gestão opaco, caro e cada vez mais distante da sua finalidade básica: a defesa dos interesses dos autores. Tal cenário foi descortinado por diversas CPIs, as quais afirmaram, em uníssono, a urgente necessidade de maior transparência e democracia na atuação do Ecad.

A lei 12853/2013 busca claramente promover estes objetivos: dever da publicação das formas de calculo e dos montantes arrecadados e distribuídos, respeitado o sigilo dos valores individuais (transparência); dever de a associação sujeitar-se a auditorias; vedação ao tratamento privilegiado a associados (democracia interna); apenas os titulares de direitos originários poderão votar e ser votados; fixação de limite máximo de mandatos para os dirigentes etc.

Contudo, o Ecad contesta a constitucionalidade da nova lei, sob o argumento principal de que, possuindo natureza privada a interferência estatal nas suas atividades violaria a liberdade de associação.

Todavia, tal linha de argumentação de rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que a Ubc, associação vinculada ao Ecad, desempenha atividade econômica de relevância pública sujeita regulação estatal. No mesmo sentido caminho a jurisprudência da suprema corte americana, que afirmou no caso Roberts VS. U.S Jaircess que as associações privadas que pratiquem a atividades econômicas se sujeitam à maior nível de regulação estatal do que aquelas cuja finalidade seja expressar ideias, cabendo lembrar que o Ecad foi criado por lei para desempenhar, em caráter de monopólio, uma atividade econômica (gestão coletiva dos direitos autorais).

A bem da verdade, a jurisprudência desses tribunais se orienta pela melhor doutrina constitucional, pois a atualmente se encontra superada a tese liberal segundo a qual os direitos fundamentais visam apenas a demarcar uma área de não interferência estatal; ao contrário, hoje é inconteste a necessidade de o Estado atuar positivamente (através da regulação e da fiscalização) para proteger os titulares dos direitos fundamentais da atuação abusiva de terceiros.

Esta vertente positiva é especialmente relevante para a gestão coletiva dos direitos autorais, pois, a ausência do estado permitiu que dirigentes associativos se utilizassem da sua posição privilegiada para se tornarem verdadeiros “donos” das respectivas associações, em nítido prejuízo aos titulares originários de direitos autorais, que se viam sub-representados nas deliberações societárias, e assim tinham pouco controle sobre o aproveitamento econômico da exibição pública das suas obras.

Portanto, a nova lei, em vez de violar a liberdade de associação, antes a promove, pois cria um desenho institucional adequado a que os direitos autorais voltem a ser, efetivamente, dos autores, conforme prevê a constituição.

Escrito por Rodrigo Brandão, advogado e professor de Direito Constitucional da UERJ.

Fonte: Publicado em O Globo de 31/12/2013

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