Helder Dutra, músico na Orchestra Binária dos Filhos de Ben, fala sobre produção caseira na música, o que não quer dizer falta de qualidade musical.
– E aí, mano? Como cês produziram esse álbum?
– Bicho, Fulano vendeu aquele gol bolinha 2002. Beltrano aquela Strato e dois pedais de respeito. Ciclano pegou o pagamento da rescisão e FGTS e eu juntei a grana de uns frilas do ano passado. Também cortei gastos indo morar na casa da mãe do Ciclano. Tô na garagem deles por uns tempos… Mas tá valendo a pena. Mandamos prensar 200 cds e vamos mandar um pra uns produtores e…
Não faz muito tempo que esse era papo corrente no underground. Você fazia música. Precisava produzir, registrar, reproduzir pra que alguém te ouvisse. Se não fosse bem nascido pra ganhar de presente de aniversário a produção de umas faixas num estúdio, estaria fadado a um purgante ratatá pra gravar em algum estúdio de médio porte suas 10 ou 15 faixas pro seu “álbum”. “”Álbum”, né? Porque em um tempo fugaz como esse (o tempos dos EPs como via de regra na produção independente), um álbum com 10 ou 15 faixas já seria até considerado um álbum triplo, rs.
Isso é claro considerando que você fosse independente, sem público (clientes?) ou patrocínio (mecenato? paitrocínio?), estatal ou não. E olha que hoje até dá pra ter patrocínio estatal, privado e ainda vender seu cdzinho/ingresso lucrando uns vinténs a mais que ninguém te olha torto. Hoje o cenário é tão diferente, por tantos motivos que se confundem, que vou tentar me ater a um ao falar das possibilidades de produção que se apresentam hoje: a produção em casa. No seu apt (Cícero, herdeiro da vanguarda cínica da LH), quarto (Cadu Tenório, o trip-drone-electro-carioca), cozinha, sala, varanda (Fábrica, de Emygdio e seus comparsas), banheiro. Na sua kitinet, no seu quintal (um abç, Lê!), onde sua criatividade sacar que dá pra tirar um bom som. Tudo isso por menos do que você imagina (mas em geral, mais do que a gente pode pagar, haha).
Não sou produtor, técnico, vendedor de placa de som usb ou de mesa portátil de 5 canais. Não quero me preocupar nesse texto também em falar das diferenças de produzir em seu pequeno homestudio com equipamento próprio e em estúdios profissionais, apesar de dar uma pincelada.
Exemplos são vários, aqui no Brasil e lá fora. No passinho do desapego, na frequência do DY oriundo ali do meio da década de 80 nos centros de produção punk/pós-punk, e acima de tudo pela vontade de FAZER acontecer, de realizar aquela música que te acorda no meio da madruga, aquele riff que te incomoda no banho e no busão, a rapaziada põe a mão na massa. Um exemplo de sucesso é o EMICIDA, que dentro de um meio que sempre se manteve da produção caseira dos artistas – o rap -, fez seu nome na rua, nas batalhas de MCs e quando foi produzir seu primeiro trabalho fez uma mixtape caseira.
Um outro exemplo mais complicado de entender é a Mombojó. A banda gravou seu primeiro trabalho, o “Nada de Novo”, através de edital público de cultura. Com relativo sucesso conseguiram contrato com a até então Liga da Justiça, ou Vingadores, ou qualquer super grupo que você possa imaginar, dos selos de música nacional, a Trama. Gravou seu segundo álbum lá, mas logo saiu após o enfraquecimento da empresa e problemas passados pela banda (morte de um integrante, saída de um outro). Juntadas as migalhas, a banda montou estúdio de médio porte em casa junto com China, o Das Caverna, e é de lá que saem as últimas produções da banda e de outros artistas que acabaram sendo revelados ali dentro do novo estúdio. Caso da Banda de Joseph Tourton que tocou esse mês aqui no Rio.
Um outro caso pra mim especial é o da Transfusão Noise Records, do já citado Lê Almeida. “Líder” de um selo, parte de uma rede de “roqueiros de guitarra”, Lê movimentou primeiro a Baixada Fluminense (subúrbio do Rio de Janeiro) com suas produções caseiras, seus eps, diversos projetos que integra, ajuda e produz. Aprendeu tudo na marra, comprou equipamentos usados, gravadores analógicos, gravou bastante tempo em K7s e se tornou um exemplo não só na Baixada, mas em todo o Rio. Seu trabalho é conhecido fora do país, seus vinis (SIM, VINIS!) são vendidos em todo o Brasil em suas turnês e também pro exterior através do contato de outros selos.
Dos resultados de minha experiência prática posso falar pouco. Apesar de integrar um projeto, a Orchestra Binária dos Filhos de Ben, há 6 anos e brigar com a inexperiência e imperícia na produção caseira desde então, como resultado final temos apenas um trabalho, o EP #01 lançado aqui na Zamus. No inicio, assim como Lê, utilizamos beats de um antigo teclado Casio TS gravados no 4×4 de minha mãe em fitas K7. Como o aparelho possuía dois decks, soltávamos a gravação de um lado e gravávamos do outro. Íamos sobrepondo canais até saturar completamente as fitas. Como resultado disso temos mais de 10 fitas de takes de gravações guardadas até hoje, takes inclusive usados na hora que fomos mixar no computador ano passado no primeiro trabalho. O primeiro computador que nos caiu na mão foi quase por volta de 2008, quando “começamos” a repensar nosso método de produção. De lá pra cá, graças ao PT (um abç, Lula! haha), todos temos computador, banda larga, e uma mixaria no fim do mês pra investir numa realização como a música. Fizemos e fazemos muito escambo de equipamentos pra ter um set “razoável” como o de hoje. Mas se não fosse assim, como seria? Como resultado desse “esforço Herculano”, tivemos uma recepção razoável do trabalho. Após um ano de lançamento, e sem nenhuma tática feroz de marketing do trabalho, beiramos os mil downloads somando todas as redes (Zamus, blogs, soundcloud, etc). E não gastamos nem 700r$ na compra dos equipamentos. Atualmente gravamos nosso segundo trabalho, já com a estrutura montada ao longo dos últimos anos. Os resultados técnicos, prometem ser melhores que no primeiro ep.
No mais, esse texto tá ficando longo. Paro por aqui e continuo num momento próximo falando especificamente de alguns dilemas e necessidades na hora de se produzir em casa.
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