Platão e a ordem protetiva do direito autoral

Peço a você, leitor, uma reflexão sobre como funciona seu comportamento criativo na hora de criar. Esse exercício será de extrema importância para apreender as abstrações descritas neste texto.


Para entender a abrangência da eficácia do direito autoral e definir o gatilho de sua ordem protetiva é substancial analisarmos a essência do processo criativo e a consequência natural deste processo até a materialização da obra.

Tudo se inicia com um lampejo de ideia.

Como fruto de um registro do subconsciente uma centelha brota no cérebro dando força para sedimentar o processo criativo. Esta centelha inicial é fruto de algum estímulo externo que ao passar pelo crivo da racionalidade típica do consciente humano toma forma considerando os próprios aspectos pessoais e sociais do autor. Com a soma entre a ideia inicial e os traços pessoais de cada um, a obra ganha vida através de sua materialização em algum substrato físico.

A constatação deste processo criativo encontra respaldo na teoria de Platão na qual situa a ideia em um mundo inteligível por considerá-la como fonte única do verdadeiro conhecimento. Na ideia do ilustre pensador existem (filosoficamente) dois mundos: o imperfeito e fugaz das coisas materiais e o perfeito e eterno das ideias, ou seja, a criação do espírito humano nada mais é do que a passagem do mundo ideal das ideias para o embrutecimento do mundo material, imperfeito por excelência.

Inconteste que o Direito como mal necessário se faz pertinente apenas no mundo imperfeito onde a definição de normas de conduta se faz mister para a paz coletiva.

Neste diapasão o gatilho que garante a ação protetiva da lei é a personificação da obra. É a criação, o sair do campo das ideias do autor e tomar forma concretizada. Se perfaz no êxodo do mundo das ideias e na lapidação no mundo imperfeito das coisas materiais.

O direito autoral visa resguardar a criação do espírito humano sendo as obras suscetíveis à proteção por serem consideradas como extensão da própria personalidade daqueles que as criam, são, portanto, pura manifestação da essência do autor personificada na concretude de uma obra.

Desta constatação sobressaem duas conclusões imprescindíveis para entender a efetividade da lei autoral e consequentemente desmistificar a questão alusiva aos registros formais das obras:

  1. Ideias não são protegidas pelo direito autoral por pertencerem a um mundo ideal não concretizado;
  2. O registro formal de uma obra não é necessário para garantir proteção sobre os direitos inerentes a ela.

Platão e a ordem protetiva do direito autoral

Ideia como representação mental de algo se limita tão somente pelo conhecimento intrínseco de cada um. Impossível regular uma ideia se a existência desta é condicionada à subjetividade daquele que a pensa. Seria limitar a ideia condicionando a um aspecto baseado na subjetividade do ser pensante e esta limitação já incide e se configura justamente na materialização desta em algo concreto e existente no mundo das coisas materiais.

Para ilustrar, um exemplo clássico é a ideia de se fazer uma obra onde um homem e uma mulher de classes sociais diferentes se apaixonam e precisam lutar para conseguir viver esse amor. Conhece algum filme ou livro com essa história? Eu pensei em Romeu e Julieta, e você? Titanic?

Então, a ideia do casal de classes sociais diferentes lutando para viver esse amor não é suscetível de proteção legal alusivo ao direito autoral. Agora transpassar essa ideia para o mundo material concebendo a história em um navio afundando já haverá o amparo relativo à proteção normativa inerente ao direito autoral por ter dado características próprias à obra além da mera ideia inicial.

Pense bem. No mundo da música existe uma quantidade limitada de notas. Provavelmente você não conseguirá elaborar uma relação harmônica que ainda não tenha sido utilizada. Portanto, a ideia de interligação entre notas musicais não concebe uma nova obra musical. Para tanto é necessário acrescentar valores pessoais que tornará aquela sequência de notas intrínseca ao seu eu.

Perceba que a proteção jurídica autoral incide na obra materializada independendo de qualquer tipo de registro autoral formal e assim o é porque a Convenção de Berna, ao estabelecer as diretrizes autorais em face da necessidade de uniformização de proteção aos países signatários, não estabeleceu nenhum requisito formal para conceder proteção aos autores de uma obra.

Portanto, a força que gera a ordem protetiva da lei não advém de um registro em cartório ou em qualquer outro órgão e sim da materialização da ideia criativa sendo, para tanto, o registro somente uma formalidade não necessária para a concessão da proteção.

Não obstante a esta pretensa desmistificação, o registro se apresenta como pertinente para indício de prova da autoria da obra.

Desta forma, certamente as obras podem e dependendo devem ser registradas no órgão competente não por obrigatoriedade de ter o registro e sim para constituir maior força probante em caso de alguma alegação de violação de direito autoral. Contudo, pode-se comprovar a autoria de uma obra por qualquer meio de prova, sendo o registro somente um desses meios.

Assim, a ordem protetiva do direito autoral deve convergir para a concepção artística própria do autor de transpassar o objeto do mundo intrínseco das ideias e imprimi-lo no mundo imperfeito e limitado das coisas reais e ainda assim manter sua beleza, originalidade e autenticidade.

Para finalizar, importante entender que este texto não pretende exaurir o conteúdo inerente à matéria, sendo necessária a análise de cada caso por um profissional especialista da área, para decidir quanto a necessidade de registro da obra e quanto à existência de plágio ou quanto à utilização de alguma obra, principalmente para fins comerciais.

E você já teve algum problema por conta de falta de registro de alguma obra?

Já teve uma ideia para uma música e percebeu ser ela igual a uma já existente?

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